Nem todos os alunos tiveram acesso ao ensino remoto no período de suspensão das aulas presenciais. Especialmente nas famílias mais pobres, problemas de conexão à internet, por exemplo, impediram que crianças e jovens acompanhassem atividades on-line durante a pandemia.
Diante da desigualdade no acesso à educação, é certo reprovar estudantes em 2020? Se todos forem aprovados automaticamente, como lidar com as lacunas deixadas por meses sem contato com os professores?
Há, ainda, a preocupação com os alunos do 3º ano do ensino médio. Caso sejam retidos, podem desistir da escola para ingressar no mercado de trabalho. Por outro lado, se forem aprovados, não terão o ano letivo de 2021 para recuperar conteúdos que deveriam ter sido ensinados em 2020.
Em parecer do Conselho Nacional da Educação (CNE), órgão do MEC, a recomendação é rever os métodos de avaliação e adotar medidas que “minimizem a retenção escolar”, já que “os estudantes não podem ser mais penalizados ainda no pós-pandemia”.
É especificado, no entanto, que a decisão deve ser tomada por cada escola ou rede de ensino, tanto pública, quanto particular.
Como representante do setor privado, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) diz que a determinação deve ser “da escola, analisando as atividades não presenciais, a qualidade dos resultados e, principalmente, o desenvolvimento de habilidades”.
O importante é fazer avaliações diagnósticas, segundo Maria Angela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Pesquisas do Brincar da PUC-SP e professora da universidade. "A partir dos resultados, devem ser traçados planos de recuperação para 2021", diz.
Abaixo, veja os diferentes posicionamentos de especialistas em educação, pedagogos, secretários de redes estaduais e coordenadores de colégios particulares do país. São cinco sugestões:
“Reprovação? Nem pensar. É uma situação inusitada, seria muito injusto. Fechamos as escolas em março, no começo do ano letivo - não houve nem tempo de conhecer os alunos. Como vou avaliar o que aprenderam?”, questiona Raquel Lazzari, professora na Faculdade de Educação da Unesp de Assis (SP).
“Alguns sequer tinham computador ou internet. E, mesmo em escolas particulares, não acho certo reprovar. Foi um período muito diferente para alunos e professores.”
Marcia Sigrist Malavasi, docente da Faculdade de Educação da Unicamp, concorda. “Ninguém deve ser reprovado durante a pandemia. É inadequado, irresponsável. Não temos a menor possibilidade de ver quais as condições da criança ou do jovem em casa”, diz.
“O momento é de planejar o que vai ser feito na retomada, para recuperar o que não foi absorvido. Não é hora de pensar em aprovar ou reprovar alguém.”
As especialistas reforçam que a retenção já era uma medida discutível antes da pandemia. Segundo Lazzari, o aluno que repete de ano corre maior risco de perder o interesse pelos estudos e de abandonar a escola.
E, mesmo que continue estudando, dificilmente terá as lacunas na aprendizagem preenchidas.
“Não adianta reprovar e fazer tudo de novo, do mesmo jeito, para resolver o problema. Ele já não aprendeu da primeira vez”, diz.
O ideal seria repensar os métodos de ensino no ano seguinte e estabelecer planos de recuperação contínua e de aulas de reforço. Não basta passar o aluno para a série seguinte.
Coordenadores e diretores de escolas privadas defendem que seus alunos têm condições financeiras privilegiadas, que lhes permitem acompanhar o ensino remoto sem dificuldade.
Fora problemas pontuais com internet instável ou falta de luz, todos tiveram acesso a aulas e avaliações on-line durante a pandemia.
Portanto, caso não atinjam o desempenho esperado, podem, sim, ser reprovados na visão das instituições particulares.
“Temos segurança em dizer que a aprendizagem está preservada para os nossos estudantes. Seremos flexíveis, porque foi um ano atípico, mas não vamos passar todos de ano”, diz Renato Júdice, diretor de uma das unidades do Colégio Rio Branco, em São Paulo.
Patrícia Moldes, coordenadora pedagógica no Colégio Helyos, em Feira de Santana (BA), conta que tentará evitar a reprovação com o atendimento de plantões de dúvida, recuperação e reforços. Mas, se ainda assim o aluno não atingir o desempenho esperado, poderá ser reprovado.
Ela reforça que a realidade econômica dos estudantes é um elemento decisivo na discussão. “Na nossa escola, tivemos o melhor cenário possível que o mundo virtual oferece. Mas é um país desigual. Aqui na cidade, conhecemos alunos de escolas municipais e estaduais que estão sem aula. Não dá para reprovar, diz.
Luiz Rafael Silva, coordenador do colégio particular Mopi, no Rio de Janeiro, concorda. “Nosso trabalho é facilitado, porque lidamos com classe média, classe média alta. Em uma escola pública, os grupos não são homogêneos e, de longe, fica difícil averiguar a realidade de cada aluno”, diz.
Para Ivan Gontijo, coordenador de projetos do Todos Pela Educação, os prejuízos do fechamento das escolas não serão reparados em apenas um ou dois anos.
“A solução de aprovar todo mundo é complicada. Existem direitos de aprendizagem. Você não pode simplesmente aprovar uma criança que não aprendeu nada. O ano letivo teria de ser cancelado."
Na visão dele, "uma solução possível seria começar o ano de novo, uma espécie de reprovação para todos". "Quem estava no sexto ano voltaria para o sexto ano. Seria uma medida pró-equidade, quase um 'reset' [um começar do zero]. Eu só liberaria os alunos do último ano do ensino médio, porque podem querer entrar no mercado de trabalho", diz.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Segundo o especialista, a lógica é diferente para escolas particulares. “Se todos receberam conteúdo de forma adequada, dá para criar uma lógica de avaliação, porque estão partindo de condições semelhantes. Aí, sim, pode fazer sentido pensar em reprovar ou aprovar cada estudante”, defende Gontijo.
O posicionamento oficial do Todos Pela Educação oferece outra saída: afirma que os alunos deveriam ser aprovados, mas com a garantia de que os conteúdos do ano letivo de 2020 fossem distribuídos pelos próximos três anos. "Não estamos falando de um simples programa de reforço, ou de uma ação pontual nas primeiras semanas pós-retorno", diz Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais.
"Trata-se de um planejamento intensivo para garantir que os estudantes, em especial os mais afetados pela pandemia, possam, ao longo do tempo, trabalhar aquilo que lhes é de direito do ponto de vista curricular. Esse é, inclusive, o conceito da progressão continuada, que, no cenário atual, precisará ser levado à risca", diz.
No Espírito Santo, o ano letivo de 2020 será unido ao de 2021. Por isso, os alunos só poderão ser reprovados no fim do biênio.
“Não existe motivo para reprovar no meio desse percurso. Assim como ninguém, em um ano normal, é reprovado em julho”, diz Vitor de Angelo, secretário de educação do estado.
“Nenhuma opção é ótima, a defasagem vai ser realidade. Mas vamos organizar os alunos por níveis: dependendo do rendimento, terão interferências pedagógicas diferentes em 2021. Até podem ser aplicadas avaliações, mas sem a possibilidade de reprovar alguém em 2020. Mesmo querendo, todos tiveram condição de estudar? Há fatores sociais e econômicos que podem ter criado obstáculos.”
Os biênios só não serão válidos para os anos finais de cada etapa escolar: 5º e 9º ano do ensino fundamental, e 3º ano do ensino médio.
Nessas séries, aumentam os casos em que o aluno muda de escola e de rede (da municipal para a estadual) - e ficaria inviável juntar os currículos. Para corrigir possíveis defasagens, serão aplicadas ações de reforço a todos. Ninguém será reprovado.
Vitor Balthazar, secretário adjunto de educação na rede estadual de Santa Catarina, diz que a rede se estruturou para oferecer aos estudantes a possibilidade de estudar remotamente - seja por plataformas on-line ou por materiais impressos. Ainda assim, cerca de 3% dos alunos não foram atendidos.
Para decidir quem será aprovado no fim do ano, será organizado um painel com o histórico de cada um dos mais de 525 mil estudantes da rede, afirma a secretaria.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Serão retidos, segundo Balthazar, apenas aqueles que não participaram das aulas por opção, não por dificuldade. “Ainda assim, se isso ocorrer, vai ser uma exceção. Nossa prioridade é garantir o aprendizado”, diz.
A discussão sobre reprovação é diferente para o último ano da educação básica. Reter o aluno que já conseguiria o diploma do ensino médio pode afastá-lo da escola. Por outro lado, não propiciar o acesso às aulas pode prejudicar o estudante que quer ser aprovado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou nos vestibulares. O que fazer, então?